sábado, 9 de maio de 2015

O GOLPE DO INTERCÂMBIO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2371 |  09.Mai.15 - 10:33



Empresário brasileiro tem escola na Irlanda fechada por irregularidades e deixa dezenas de jovens sem visto de estudante e sem dinheiro


Camila Brandalise



A possibilidade de estudar inglês e trabalhar em um país que permite acesso fácil a grande parte da Europa fez com que o mineiro Lucas Marçal, 28 anos, escolhesse a cidade de Dublin para um intercâmbio de seis meses. Tudo estava previsto para ele partir no dia 26 de julho deste ano, mas a pouco mais de dois meses do embarque, soube que a escola em que estudaria, a International Education Academy (IEA), cujo dono é brasileiro, fechou. “Já estou atrás de outra. Não tenho esperança de receber o dinheiro de volta.” De acordo com outros brasileiros que também fecharam contrato com a IEA – ou com seu braço em Itu, no interior de São Paulo, a I2 Intercâmbios –, o pacote promocional de seis meses de curso custava entre R$ 4,2 mil a 5,7 mil.


PROTESTO
Alunos durante manifestação após fechamento de escolas para estrangeiros
em Dublin, entre elas a IEA, onde estudavam muitos brasileiros

Diferentemente de Marçal, o paulista Vlad Beil Carreiro, 26 anos, vai adiar seus planos. “Investi R$ 3,4 mil no intercâmbio, passaria dois meses lá, mas não tenho como pagar outro pacote e vou cancelar a viagem.” A situação é ainda pior para quem já está morando na Irlanda. A reportagem de ISTOÉ entrou em contato com outros 15 brasileiros matriculados na escola e vivendo em Dublin que alegaram também terem sido lesados pela instituição. Muitos deles terão de voltar antes do previsto ou viver ilegalmente por não terem dinheiro para comprar outro curso e, consequentemente, não conseguirem solicitar o visto de estudante, impossível de se obter sem estar matriculado em um centro de ensino.

A Irlanda, e principalmente a capital, Dublin, é hoje um dos destinos preferidos dos brasileiros que querem passar uma temporada fora. Foi o país que apresentou o maior aumento em vendas de pacotes de intercâmbio no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, registrando um aumento de 30%, segundo a STB, líder brasileira no segmento de educação internacional. Com a grande procura, não só de brasileiros, escolas de idiomas surgiram aos montes no País, também conhecido pela facilidade na obtenção do visto se comparado a outros lugares, como Londres. Mas o cerco da imigração começou a apertar principalmente a partir deste ano, quando foram estabelecidas novas regras para concessão do visto de estudante, e como um efeito dominó, uma série de centros de ensino estão fechando suas portas. Os problemas são tanto em relação a exigências da imigração quanto a problemas financeiros. A IEA é a 14º instituição a encerrar os trabalhos desde abril de 2014 somente na cidade de Dublin. “Houve uma explosão de brasileiros por lá por uma série de fatores: o governo permite estudo com trabalho temporário e há muitas escolas baratas, que chamamos de aventureiras, que não tem compromisso com os alunos e fecham sem dar explicações”, afirma Marcelo Albuquerque, diretor financeiro da Brazilian Educational & Language Travel Association (Belta).


FUGA
O brasileiro José Amaral, dono da International Academy School, voltou para
o Brasil após escola ser acusada de fraudar documentos junto à imigração irlandesa

A IEA, que atendia cerca de 600 alunos, encerrou seus serviços em meio a uma denúncia de fraude junto à imigração irlandesa. A escola, como informa o Departamento de Justiça daquele país, ministrava aula de idiomas. Mas fornecia aos estudantes um documento de imigração no qual constava a matrícula no curso conhecido como CTH, da área de turismo e hotelaria. A informação é confirmada por alunos que dizem constar um tipo de curso no contrato e outro no documento a ser entregue às autoridades. A manobra foi criada porque a IEA não tem autorização para ministrar aulas de inglês para não europeus que solicitem o visto de estudante. Como explica Sue Hackett, gerente de educação internacional do Acels, órgão de certificação de qualidade de ensino ligado a uma agência estatal, há duas listas de cursos nos quais o aluno estrangeiro precisa estar matriculado para obter a permissão de estadia maior do que três meses. Da primeira, fazem parte os programas reconhecidos pelo Acels. Na segunda constam certificações como a CTH. A IEA não possuía esse selo Acels e, segundo Sue, nunca teve. Questionada sobre os motivos, a gerente afirma serem serem confidenciais, mas garante que os dirigentes da escola sabiam o motivo.



Dono da instituição, o brasileiro José Amaral afirma que a própria imigração orientou a escola a proceder dessa maneira enquanto não recebia o selo de qualificação. À reportagem, Amaral enviou um documento com uma avaliação positiva da IEA feita pelo Acels, onde constavam algumas ressalvas. Entre elas, a necessidade de a escola se adequar aos regulamentos da imigração e de matricular os alunos do curso de línguas no programa que, de fato, faziam parte. Sue Hackett reitera que qualquer escola pode ensinar outra língua para estrangeiros, a diferença é que o aluno não poderá solicitar o visto de estudante se não estiver em um centro de ensino certificado. Por causa desse imbróglio, a imigração irlandesa está barrando vistos de alunos da IEA, como no caso de Camila Pessoa de Aguiar, 26 anos, que já está em Dublin. “Fui à imigração duas vezes e disseram que a escola está sob investigação”, diz. O departamento de Justiça do País confirmou a informação à ISTOÉ. “Está claro que a escola estava oferecendo programa de línguas para estudantes não europeus sem ser autorizada para isso.” O empresário José Amaral, que em meio à crise e à pressão dos alunos e das autoridades voltou ao Brasil, alega que não recebeu nenhuma notificação. Diz ainda que só não foi certificado pelo Acels por preconceito, pelo fato de ele ser “o brasileiro que ajuda pobres a permanecerem no País”. “Estou sendo perseguido. Há um imenso esquema de corrupção no País que favorece um pequeno grupo de escolas e esse cartel quer que minha escola feche.”



Os alunos identificaram sinais de irregularidades antes de a IEA ser detida pelas autoridades irlandesas. “Percebi que havia algo errado no dia em que uma professora chegou na sala de aula desesperada pedindo para que, se alguém perguntasse se fazíamos curso de inglês, respondêssemos que não”, afirma José Wilker, 26 anos, que pagou por seis meses de aulas, mas cursou apenas sete dias. “Procurei o José Amaral, mas ele não respondeu nada do que perguntei e não aceitou a proposta de devolução de dinheiro ou transferência para uma outra escola”, diz. Wilker afirma que sua situação atual é a pior possível. “Meu visto de três meses de turista está para vencer, não tenho visto de estudante, estou sem escola porque meu contrato com a IEA foi rescindido e eles me deram o prazo de sete dias úteis para devolverem meu dinheiro, o que não aconteceu”, diz. Sem perspectiva, Wilker pensa em voltar para o Brasil. Em nota, a Embaixada do Brasil em Dublin afirma que está em contato com as autoridades irlandesas sobre o fechamento de escolas de inglês para tentar orientar os alunos brasileiros. “O governo irlandês criou um grupo de trabalho interministerial que deverá propor medidas com vistas à reforma do ensino de inglês no país.”



Foto: Sorcha Pollak/The Irish Times