REVISTA ISTO É N° Edição: 2349 | 28.Nov.14
Como agia e como vivia o bando especializado em fraudar provas de universidades, que usava tecnologia sofisticada para burlar a fiscalização e cobrava até R$ 200 mil pelo gabarito. Criminoso chegava a gastar R$ 4 mil em noitada
Raul Montenegro
Era um domingo chuvoso e abafado em Belo Horizonte no dia 23 de novembro, quando 3.638 pessoas prestavam o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. A data era decisiva para os candidatos ao concorrido curso de medicina – exceto para 22 postulantes, que pensavam estar com a vaga garantida. Eles tinham desembolsado entre R$ 70 mil e R$ 200 mil pelas respostas do teste, que seriam repassadas por uma quadrilha especializada em fraudar provas de universidades, entre elas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O grupo atuava há 20 anos em diversos Estados do País. O que os vestibulandos trapaceiros e os bandidos não desconfiavam é que a Polícia Civil do Estado já estava a par do esquema e monitorava os passos do bando. Com a anuência da instituição de ensino, 40 policiais foram paramentados e infiltrados como fiscais, para acompanhar os envolvidos. Outros 30 homens monitoravam os arredores, numa operação batizada de Hemostase II, que envolveu também o Ministério Público mineiro. “Desbaratamos aquela que, pelo nível de sofisticação, acredito ser uma das maiores quadrilhas do ramo no Brasil”, diz o delegado Jeferson Botelho, superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais.
FIM DA LINHA
Integrantes de grupo que fraudou exames de admissão de várias faculdades
e o Enem são presos em Belo Horizonte no domingo 23
As autoridades investigavam o grupo há sete meses e já conheciam o modo de atuação dos criminosos. Eles conseguiam as respostas durante a realização dos testes, usando os chamados “pilotos”, indivíduos de grande conhecimento nas matérias, professores universitários e médicos residentes que se inscreviam como candidatos e faziam a prova no menor tempo possível. Com a solução em mãos, eles saíam das salas de exame e passavam o gabarito para outros membros da organização. Através de uma sofisticada aparelhagem eletrônica adquirida no exterior, as respostas eram repassadas aos vestibulandos pagantes, que carregavam receptores no formato de cartões de crédito e minúsculos pontos eletrônicos no ouvido. Foi nesse momento que os policiais agiram. Eles seguiram os “pilotos” e esperaram os primeiros resultados serem transmitidos para, então, efetuar as prisões em flagrante. Além dos 22 candidatos, 12 quadrilheiros foram presos. Os primeiros poderão responder por fraude em certame de interesse público, e os demais também por formação de quadrilha e falsidade ideológica. Os pais dos vestibulandos, jovens sem renda para arcar com custo tão alto, também serão investigados.
De acordo com o delegado Botelho, a gangue do vestibular de medicina era chefiada por dois homens em localidades distintas do País: Carlos Roberto Leite Lobo, de Guarujá (SP), e Áureo Moura Ferreira, de Teófilo Otoni (MG). O primeiro, um cirurgião dentista, operava há 20 anos na fraude. Era visto como homem de sucesso e possuía casa em condomínio fechado na cidade do litoral paulista, próxima à de jogadores famosos, como Neymar. O segundo, de apenas 26 anos, possuía uma empresa de fachada do ramo da promoção de eventos. Na verdade, viajava à China e a Dubai para adquirir os transmissores para o esquema criminoso. Dirigia carros esportivos de luxo, como Porsche, morava numa mansão em bairro nobre e frequentava noitadas onde chegava a gastar R$ 4 mil numa saída. Confessou que, somente nas fraudes recentes nos vestibulares de medicina, embolsaria R$ 3 milhões livres de despesas. Na casa de seu pai, foram apreendidas quatro armas. Preso, ele tentou pagar a fiança com notas falsas. O pai deverá ser acusado de falsificação de moeda pela Justiça Federal e os líderes por lavagem de dinheiro e pelos outros crimes.
As prisões ocorreram durante o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas, mas durante as investigações a polícia detectou a presença do esquema nos testes de ingresso da Universidade de Brasília (DF), de uma faculdade em Fortaleza (CE) e no Enem. No último caso, o suspeito é um estagiário do Ministério Público em Montes Claros (MG), estudante de direito que teve acesso à prova antecipadamente. O grupo escolheu uma cidade no interior de Mato Grosso para resolver e distribuir os gabaritos. Acredita-se que 15 a 20 estudantes tenham sido beneficiados.
Fraudes em vestibulares são comuns no Brasil (leia quadro). No ano passado, a operação Hemostase I, que serviu como ponto de partida para a polícia mineira chegar à quadrilha atual, prendeu outra organização que atuava em diversas cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro, além do Enem. No caso do exame nacional, a documentação foi encaminhada para a Polícia Federal e há 20 dias foram indiciadas 17 pessoas pelo crime. A quadrilha presa agora terá destino semelhante. A polícia mineira investigará casos do Estado, e a parte relativa ao Enem será encaminhada à PF e ao Ministério Público Federal para prosseguimento das investigações. Em nota, o Inep, órgão federal que organiza o Enem, afirmou que solicitou informações à PF e que qualquer pessoa que tenha usado métodos ilegais será eliminada da prova.
Como agia e como vivia o bando especializado em fraudar provas de universidades, que usava tecnologia sofisticada para burlar a fiscalização e cobrava até R$ 200 mil pelo gabarito. Criminoso chegava a gastar R$ 4 mil em noitada
Raul Montenegro
Era um domingo chuvoso e abafado em Belo Horizonte no dia 23 de novembro, quando 3.638 pessoas prestavam o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. A data era decisiva para os candidatos ao concorrido curso de medicina – exceto para 22 postulantes, que pensavam estar com a vaga garantida. Eles tinham desembolsado entre R$ 70 mil e R$ 200 mil pelas respostas do teste, que seriam repassadas por uma quadrilha especializada em fraudar provas de universidades, entre elas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O grupo atuava há 20 anos em diversos Estados do País. O que os vestibulandos trapaceiros e os bandidos não desconfiavam é que a Polícia Civil do Estado já estava a par do esquema e monitorava os passos do bando. Com a anuência da instituição de ensino, 40 policiais foram paramentados e infiltrados como fiscais, para acompanhar os envolvidos. Outros 30 homens monitoravam os arredores, numa operação batizada de Hemostase II, que envolveu também o Ministério Público mineiro. “Desbaratamos aquela que, pelo nível de sofisticação, acredito ser uma das maiores quadrilhas do ramo no Brasil”, diz o delegado Jeferson Botelho, superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais.
FIM DA LINHA
Integrantes de grupo que fraudou exames de admissão de várias faculdades
e o Enem são presos em Belo Horizonte no domingo 23
As autoridades investigavam o grupo há sete meses e já conheciam o modo de atuação dos criminosos. Eles conseguiam as respostas durante a realização dos testes, usando os chamados “pilotos”, indivíduos de grande conhecimento nas matérias, professores universitários e médicos residentes que se inscreviam como candidatos e faziam a prova no menor tempo possível. Com a solução em mãos, eles saíam das salas de exame e passavam o gabarito para outros membros da organização. Através de uma sofisticada aparelhagem eletrônica adquirida no exterior, as respostas eram repassadas aos vestibulandos pagantes, que carregavam receptores no formato de cartões de crédito e minúsculos pontos eletrônicos no ouvido. Foi nesse momento que os policiais agiram. Eles seguiram os “pilotos” e esperaram os primeiros resultados serem transmitidos para, então, efetuar as prisões em flagrante. Além dos 22 candidatos, 12 quadrilheiros foram presos. Os primeiros poderão responder por fraude em certame de interesse público, e os demais também por formação de quadrilha e falsidade ideológica. Os pais dos vestibulandos, jovens sem renda para arcar com custo tão alto, também serão investigados.
De acordo com o delegado Botelho, a gangue do vestibular de medicina era chefiada por dois homens em localidades distintas do País: Carlos Roberto Leite Lobo, de Guarujá (SP), e Áureo Moura Ferreira, de Teófilo Otoni (MG). O primeiro, um cirurgião dentista, operava há 20 anos na fraude. Era visto como homem de sucesso e possuía casa em condomínio fechado na cidade do litoral paulista, próxima à de jogadores famosos, como Neymar. O segundo, de apenas 26 anos, possuía uma empresa de fachada do ramo da promoção de eventos. Na verdade, viajava à China e a Dubai para adquirir os transmissores para o esquema criminoso. Dirigia carros esportivos de luxo, como Porsche, morava numa mansão em bairro nobre e frequentava noitadas onde chegava a gastar R$ 4 mil numa saída. Confessou que, somente nas fraudes recentes nos vestibulares de medicina, embolsaria R$ 3 milhões livres de despesas. Na casa de seu pai, foram apreendidas quatro armas. Preso, ele tentou pagar a fiança com notas falsas. O pai deverá ser acusado de falsificação de moeda pela Justiça Federal e os líderes por lavagem de dinheiro e pelos outros crimes.
As prisões ocorreram durante o vestibular da Faculdade de Ciências Médicas de Minas, mas durante as investigações a polícia detectou a presença do esquema nos testes de ingresso da Universidade de Brasília (DF), de uma faculdade em Fortaleza (CE) e no Enem. No último caso, o suspeito é um estagiário do Ministério Público em Montes Claros (MG), estudante de direito que teve acesso à prova antecipadamente. O grupo escolheu uma cidade no interior de Mato Grosso para resolver e distribuir os gabaritos. Acredita-se que 15 a 20 estudantes tenham sido beneficiados.
Fraudes em vestibulares são comuns no Brasil (leia quadro). No ano passado, a operação Hemostase I, que serviu como ponto de partida para a polícia mineira chegar à quadrilha atual, prendeu outra organização que atuava em diversas cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro, além do Enem. No caso do exame nacional, a documentação foi encaminhada para a Polícia Federal e há 20 dias foram indiciadas 17 pessoas pelo crime. A quadrilha presa agora terá destino semelhante. A polícia mineira investigará casos do Estado, e a parte relativa ao Enem será encaminhada à PF e ao Ministério Público Federal para prosseguimento das investigações. Em nota, o Inep, órgão federal que organiza o Enem, afirmou que solicitou informações à PF e que qualquer pessoa que tenha usado métodos ilegais será eliminada da prova.