sábado, 24 de agosto de 2013

A FORTUNA CAÍDA DO CÉU

O SUL 24/08/2013


WANDERLEY SOARES

Mesmo no Brasil da Copa, é preciso não esquecer: o Diabo não dorme

A informação está em Ijui News. Uma mulher de 63 anos caiu no conto do bilhete e entregou aos golpistas R$ 7.700 em dinheiro e mais algumas joias. O golpe foi aplicado, quinta-feira, no Centro de Ijuí. A vítima relatou à polícia que um jovem aparentando ser do interior lhe abordou para pedir ajuda, já que estava de posse de um bilhete premiado no valor de um milhão de reais. Enquanto os dois conversavam, outra mulher se aproximou e ofereceu ajuda. Ela teria telefonado para a Caixa Federal e confirmado o prêmio. O jovem pediu à comparsa e à vítima que lhe ajudassem, mas queria provas de que não seria enganado. A golpista apresentou uma maleta de dinheiro como garantia. A vítima foi a uma agência bancária e sacou o dinheiro e ainda buscou algumas joias em casa para entregar ao rapaz. Os golpistas, deixando o bilhete, sumiram, em seguida, num carro cinza. Sigam-me.


Dinheiro do céu

Este episódio de Ijuí, segundo a linguagem dos profissionais do Direito, é tratado como "torpeza bilateral". Dou uma aprofundada no tema, seguindo orientação de meus conselheiros, apenas para prevenir incautos de que dinheiro não cai do céu. É bom saber como a Justiça cuida da torpeza bilateral.


"A fraude bilateral configura-se quando os dois indivíduos que participam do negócio têm interesses ilícitos. No caso do estelionato, a vítima também age com má fé visando à obtenção da vantagem. Exemplo: aquele que é ludibriado pelo agente e compra uma máquina pensando que ela faz dinheiro falso. Ambos os indivíduos agem, pois, ilicitamente.


Entendimento anterior do STF acreditava não ser possível a instauração de ação quando verificada a torpeza bilateral. Atualmente, a corrente majoritária afirma: Mesmo quando há torpeza bilateral, resta configurado o crime de estelionato, porque a norma penal não exigiu a boa fé da vítima. Por isso, o que interessa é saber se realmente a vítima foi enganada e se sofreu um prejuízo patrimonial, ainda que esta tivesse por intuito enganar o próprio agente criminoso. Essa é a orientação que prevalece em doutrina e nos tribunais superiores.


Nelson Hungria, do lado minoritário, entende que não há estelionato na torpeza bilateral porque a lei não pode amparar a má-fé da vítima. Além disso, o agente não poderia responder pelo ilícito penal, já que a própria vítima estaria proibida de requerer a reparação do dano na esfera civil por não poder pleitear em juízo sua própria torpeza. Entretanto, o que prevalece é a opinião no sentido de que realmente há o estelionato. E os argumentos justificadores são: a) o fato é típico, pois não se pode ignorar a má-fé do agente que empregou a fraude e obteve a vantagem, nem o fato de a vítima ter sido enganada e sofrido o prejuízo; b) a reparação do dano na esfera civil é matéria que interessa apenas a vítima, mas a punição do estelionatário visa a proteger toda a sociedade."


Epílogo

Devido à complexidade que envolve um processo como este de Ijuí, que depende, inclusive, da identificação e detenção dos autores do delito, o mais certo é que a senhora enganada não vai ver mais a cor de seu dinheiro e os criminosos não irão para a cadeia. O melhor mesmo é estar atento para uma verdade milenar: o Diabo não dorme.

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