quarta-feira, 28 de agosto de 2013

FRAUDE PÕE CARROS ACIDENTADOS NAS RUAS


ZERO HORA 28 de agosto de 2013 | N° 17536

JOSÉ LUÍS COSTA*
*Colaborou Jaqueline Sordi João Alfredo Beltrame, Promotor de Justiça

CONSUMIDORES LESADOS

Instalados em CRVAs, golpistas omitiam sinistro em documento para lucrar com a revenda de veículos



Uma fraude espalhada por todo o país envolvendo a venda de carros usados revelada ontem pelo Ministério Público Estadual expõe o quanto o crime organizado pode lesar milhões de brasileiros. Por causa de falhas de comunicação entre departamentos estaduais de trânsito, os Detrans, golpistas legalizam carros acidentados com documentos oficiais e os revendem para motorista de boa-fé, causando prejuízos financeiros às vítimas e colocando em risco a segurança nas ruas e estradas de norte a sul do Brasil.

De acordo com levantamento do Detran gaúcho, 5 mil veículos foram licenciados de forma fraudulenta no Rio Grande do Sul, entre 2010 e 2013.

Investigações do MP em parceria com o Detran, indicam que o golpe (veja detalhes na página ao lado) também estaria ocorrendo em São Paulo, Paraná e Goiás.

Uma das pontas do esquema foi descoberta em Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre, que contaria com a participação de despachantes e funcionários do Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA) local. Segundo o promotor João Afonso Beltrame, que comandou as investigações, a partir do CRVA de Alvorada, 173 veículos foram registrados de forma fraudulenta nos últimos quatros anos.

Carros, caminhonetes, motos e outros modelos acidentados, com danos de pequena, média e grande monta – alguns nem sequer teriam condições de rodar porque as seguradoras o consideraram como perda total –, foram revendidos em 33 cidades, gerando lucros de até 340%, que somaram R$ 1,285 milhão.

Depois de oito meses de investigações, incluindo interceptações telefônicas, o MP deflagrou ontem a Operação Rousseau III, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e com ajuda de policiais militares. Foram realizadas buscas em 25 locais para recolher documentos e computadores. Doze apreensões ocorreram em Alvorada, onde foram recolhidas placas na casa de um dos envolvidos. Outros cinco mandados foram cumpridos em revendas e moradias de suspeitos em Porto Alegre, além de cinco ordens de busca no Detran de São Paulo e três no Detran do Paraná.

Investigação resultou em denúncia contra 117 pessoas

A fraude já resultou em denúncia do MP, aceita pela Justiça de Alvorada, contra 117 pessoas, entre elas comerciantes de veículos usados, donos de oficinas, cinco despachantes de Alvorada, um despachante de Porto Alegre, além do coordenador do CRVA de Alvorada e funcionários – 12 pessoas desse grupo, que tinham licença do Detran para manipular dados, foram afastadas das funções.

Conforme o promotor Beltrame, o coordenador do CRVA da cidade era sócio, com 50% de participação, de uma empresa de revenda de veículos usados de Alvorada, onde descarregavam cegonheiras abarrotadas de carros acidentados. O caso tramita na 1ª Vara Criminal de Alvorada em segredo de Justiça. Por essa razão, o MP evitou divulgar os nomes dos envolvidos, mas não está descartado um pedido de prisão para o grupo.

Os fraudadores são acusados de crimes de formação de quadrilha e inserção de dados falsos em bancos de dados da administração pública com o fim de obter vantagem indevida. As penas previstas, em caso de condenação, chegam a 12 anos de prisão.

– Este tipo de fraude deve estar acontecendo em todo o Brasil, pois a base de dados é do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) – lamentou o secretário estadual de Administração e Recursos Humanos, Alessandro Pires Barcellos, ao qual o Detran está subordinado.


A situação é gravíssima. Lesa pessoas que, por vezes, juntaram dinheiro a vida toda para comprar um carro, gerando riscos para elas e para terceiros.


Detran propõe mudança de regras


Para tentar estancar as fraudes, o Detran gaúcho está propondo que o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) altere a base de dados, incluindo um campo obrigatório para que seja inserido o registro, informando se o carro sofreu sinistro ou não. Assim, esses dados integrariam a base nacional, disponíveis para todos os departamentos de trânsito e sem possibilidade de alteração por parte dos CRVAs. O Detran também está estudando mecanismos para melhorar o controle dos registros nos próprios CRVAs.

Conforme o presidente do órgão, Leonardo Kauer, a investigação começou em 2011, a partir da identificação de um problema registrado em 2007, numa alteração do registro do motor de um veículo em que foram constatadas divergências entre os dados da documentação em papel e as registradas no sistema.

– Começamos uma investigação para cruzar os dados e analisar se isso era um problema isolado ou se era padrão – disse o dirigente.

Kauer explica que o setor de corregedoria do Detran identificou uma série de anomalias nos registros de veículos transferidos de outros Estados. A partir daí, duas investigações ocorreram em paralelo, uma pelo Ministério Público e outra pelo próprio órgão.

– A nossa maior preocupação é que existem veículos nas ruas sem condições de trafegar, e sem que os donos saibam disso. Eles podem trazer risco para quem está dentro dos carros e para quem está fora – argumenta Kauer.

Indagado sobre a responsabilidade do órgão por ser o emissor dos certificados de registros, conforme apontado pelo MP, Kauer entende que o Detran também é vítima.


QUEM VAI PAGAR? O que pode ocorrer com os proprietários

- Donos de carros oriundos de seguradoras receberão uma notificação do Detran para apresentar os veículos para uma inspeção. Ainda não há prazo para o envio das notificações.

- Se constatada a fraude, será emitido novo registro do licenciamento do veículo, ao custo entre R$ 120 e R$ 440. Ainda não foi definido quem arcará com a despesa. Os proprietários poderão ser obrigados a pagar pelo documento. Mas como adquiriram os veículos de boa-fé, o Detran pretende cobrar os custos dos CRVAs envolvidos no golpe.

- Para reparar danos, vítimas poderão entrar com ações judiciais contra os vendedores dos carros e contra o Detran, pois órgão é corresponsável pelos prejuízos por ser o emissor dos documentos fraudulentos.

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