ZERO HORA 21 de julho de 2013 | N° 17498
ARTIGOS
Marcelo Pires*
Minha mãe, no ônibus, encontrou uma amiga que contou a seguinte história: Tu não sabe o que aconteceu comigo, fui no supermercado fazer o rancho, fui naquele shopping novo, o da Assis Brasil, fiz as compras do mês, gastei mais de R$ 350, na saída, rancho pesa, tu sabe, ainda mais pra quem já tem idade, fui até o ponto de táxi, coloquei todas as compras no porta-malas do carro, embarquei, o motorista era pé pesado, rapidinho, rapidinho, eu tava em casa. O carro parou na frente do meu portão, paguei o motorista, desci do táxi pra pegar as minhas compras, fiquei chateada com o sujeito, ele não desceu pra ajudar, bobagem minha, o final da história, tu vai ver, é pior do que falta de gentileza. Quando eu tava na calçada, indo em direção ao porta-malas, pronta pra pegar meus pacotes, o motorista, blam, fechou a porta, e fugiu, levando todo meu rancho. Fiquei ali, na frente de casa, com cara de boba, morrendo de vergonha. Não fiz nada errado, eu sei, dei bom dia, paguei a corrida, agradeci, parece que quando a gente fica mais velha, em vez de ser alvo de respeito, só é alvo de vigarice. Fiquei com vergonha do pessoal da minha rua, fiquei imaginando o que eles tavam pensando, a coroca da casinha azul caiu em mais uma, já tá bem gagá aquela ali. Com o rosto queimando, o peito apertado, entrei em casa, liguei pro meu filho, ele passou lá em casa, a gente foi junto no ponto de táxi, na frente do shopping. Sabe o que os outros motoristas disseram? Que eu era a sétima ou oitava senhora que aparecia ali com a mesma história, que tem um malandro dando este golpe e que eles, motoristas, não podem fazer nada, o ponto é destes que qualquer táxi para, o controle é impossível. Quer dizer, eu não fui a única que fiquei com cara de boba na frente de casa, te cuida, minha amiga, te cuida.
A parada da senhora chegou, ela desceu do ônibus, abraçou a bolsa forte contra o peito e saiu caminhando rápido pela rua.
Fiquei imaginando o que deveria ter acontecido com o motorista logo depois que ele fugiu com o rancho: a duas, três quadras antes de chegar em casa, ele para o táxi e espia o saldo da sua rapinagem. O motorista mora com a esposa, ele mente a respeito dos ranchos que traz, diz que o táxi está rendendo, diz que agora pode “caprichar” no súper. O motorista sempre dá uma conferida nos ranchos que afana para saber o que dizer quando a esposa, por exemplo, pergunta por que ele comprou fralda se não tem nenhuma criança em casa (“é para um colega que teve filho, mulher, não enche”).
Então, a duas, três quadras antes de chegar em casa, ele está ali, sorrindo e dando uma olhada nos pacotes (oba, batata frita), três caras se aproximam, exigem a chave do carro e mandam ele ficar quieto, é um assalto. Ele tenta reagir, leva um safanão, cai, leva um chute na barriga e, no chão, encolhido, fica sem ar, sem reação. Vê um dos caras pegando a chave no seu bolso, outro pegando a sua carteira em outro bolso e depois, calmamente, todos entrando no carro e indo embora, levando, inclusive, o rancho – os ladrões comem as batatinhas.
Um senhor idoso se aproxima, ajuda o motorista a se levantar, pergunta como ele está e, pesaroso, comenta: “Hoje em dia, filho, tem que ficar atento, todo mundo pode ser ladrão”.
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