ZERO HORA 21/03/2015 | 08h06
Beneficiados fazem venda ilegal de apartamentos do Minha Casa Minha Vida. Reportagem constatou problemas com o programa durante 40 dias de investigações
por Ânderson Silva e Humberto Trezzi
Condomínio Planalto Canoense, no Bairro Olaria, em Canoas, conta com apartamentos à venda Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
É fácil comprovar o fosso entre a intenção governamental e a prática, no programa Minha Casa Minha Vida. Inaugurado em 2011, o condomínio Planalto Canoense, em Canoas, virou campo fértil para irregularidades. Basta perguntar para moradores quem tem imóvel para vender, como fez a reportagem na última semana de janeiro.
Um grupo de habitantes do condomínio, reunido à sombra de uma árvore, descreveu de imediato quatro apartamentos de dois dormitórios que estão à venda, mesmo sem estarem quitados. Dois no Bloco J, um no Bloco K, um no Bloco I. A equipe de reportagem encontrou, em uma janela do bloco B, cartazes feitos à mão, que anunciam: “Vende-se, tratar fone...”.
O problema é que esses apartamentos são financiados pela faixa I do programa Minha Casa Minha Vida. É a mais baixa, até R$ 1,6 mil de renda familiar. Por isso, o governo proíbe que os imóveis sejam vendidos antes da quitação do financiamento, uma maneira de garantir que o programa alcance sua finalidade: atender pessoas de baixa renda, que jamais conseguiriam, de outra forma, ter casa própria. No entanto, não é difícil encontrar gente disposta a burlar as regras.
A reportagem bateu na porta do apartamento 233 do bloco I do Planalto Canoense e fez uma pergunta simples:
– Está à venda?
– Sim – respondeu a dona de casa Elisandra Soares. – Basta assumir as prestações, de R$ 37 mensais. Faltam quatro anos para pagar, ainda, antes de poder quitar o financiamento da Caixa Econômica Federal – avisa ela.
A prática é ilegal: a Caixa só autoriza venda de imóveis quitados, nessa faixa do programa.
– Mas fica em nome de quem? É preciso um contrato de gaveta, então? – insiste o repórter.
Elisandra confirma:
– Sim, você nos passa um dinheiro. Depois recebe, todo mês, uma prestação em nosso nome, para saldar.
Ela não soube dizer quanto seria o valor desejado pela venda, mas aconselhou que falássemos com seu marido, Cristiano Ferreira. Metalúrgico, ele atende ao telefone, sem saber que falava com repórteres. Perguntamos sobre o apartamento à venda e quanto deseja:
– Uns R$ 60 mil... e que assumam as prestações que faltam – responde Cristiano.
– O apartamento vai ter de continuar no nosso nome. Só posso passar pro nome de vocês depois de 10 anos. Fazemos um contrato de gaveta. Dependendo da negociação, dá para baixar o preço. Já tenho para onde ir...
Imobiliárias trabalham com imóveis não quitados
Questionado se não daria problema vender imóvel do Minha Casa Minha Vida, ele diz:
– Olha, meu, tem gente vendendo... Até o ex-síndico vendeu.
O diretor de Habitação da Caixa, Teotônio Rezende, tem dito em entrevistas que a comercialização do imóvel do programa sem a respectiva quitação é nula e não tem valor legal. Quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem adquire irregularmente perderá o imóvel. Por que isso? Para priorizar quem necessita de moradia, não quem usa o imóvel para lucrar.
Localizado na Rua Zulmiro Gomes da Silva, número 100, bairro Olaria, o Planalto Canoense é composto por 12 prédios de cinco pavimentos. Eles têm 240 apartamentos financiados pelo Minha Casa Minha Vida – mas só 92 pagam condomínio. É que problemas construtivos, invasões e venda ilegal dos imóveis resultam em alto índice de inadimplência, tanto com as prestações do financiamento quanto com a administradora dos imóveis. A reportagem comprovou que também imobiliárias trabalham com imóveis não quitados do Minha Casa Minha Vida. A Conter Imóveis, de Canoas, oferecia no final de janeiro um apartamento de dois dormitórios no Planalto Canoense, por R$ 127,7 mil, mais de 10 vezes o que a Caixa costuma cobrar do mutuário. Contatada, a corretora Camila confirmou a oferta. Questionada se não há impedimento à venda de imóvel não-quitado nessa faixa do Minha Casa Minha Vida, ela sugeriu um truque ao comprador:
– Se não tiver quitado o imóvel, o dono vai dar quitação. Vamos supor que esteja financiado, essa pessoa, com o dinheiro que vai entrar no negócio, ela quita e vende. E você assume o financiamento.
A Caixa avisa que, para que não fique caracterizada irregularidade, antes de anunciar o imóvel à venda, o beneficiário deverá proceder a quitação do financiamento. Não foi o que ocorreu no caso da imobiliária de Canoas.
– Caso oferte o imóvel à venda ou para aluguel, antes da quitação da dívida, ou ainda se firmar “contrato de gaveta”, estará caracterizada a irregularidade. Neste caso, a Caixa pode pedir na Justiça a retomada do imóvel – alerta Rezende.
CONTRAPONTOS
O que diz Cristiano Ferreira, morador do condomínio Planalto Canoense:
Mas até o síndico vendeu...Eu sei que é proibido vender, mas ainda não vendi. Então não cometi o crime.
O que diz Francisco Conter, administrador da Conter Imóveis:
Sua informação é nova para nós, eu desconhecia que não pode anunciar imóvel do Minha Casa (faixa 1) não quitado. O imóvel já não deve mais aparecer em divulgação. Estamos verificando se foi anunciado em algum outro veículo de divulgação para também fazer a retirada.
Beneficiados fazem venda ilegal de apartamentos do Minha Casa Minha Vida. Reportagem constatou problemas com o programa durante 40 dias de investigações
por Ânderson Silva e Humberto Trezzi
Condomínio Planalto Canoense, no Bairro Olaria, em Canoas, conta com apartamentos à venda Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
É fácil comprovar o fosso entre a intenção governamental e a prática, no programa Minha Casa Minha Vida. Inaugurado em 2011, o condomínio Planalto Canoense, em Canoas, virou campo fértil para irregularidades. Basta perguntar para moradores quem tem imóvel para vender, como fez a reportagem na última semana de janeiro.
Um grupo de habitantes do condomínio, reunido à sombra de uma árvore, descreveu de imediato quatro apartamentos de dois dormitórios que estão à venda, mesmo sem estarem quitados. Dois no Bloco J, um no Bloco K, um no Bloco I. A equipe de reportagem encontrou, em uma janela do bloco B, cartazes feitos à mão, que anunciam: “Vende-se, tratar fone...”.
O problema é que esses apartamentos são financiados pela faixa I do programa Minha Casa Minha Vida. É a mais baixa, até R$ 1,6 mil de renda familiar. Por isso, o governo proíbe que os imóveis sejam vendidos antes da quitação do financiamento, uma maneira de garantir que o programa alcance sua finalidade: atender pessoas de baixa renda, que jamais conseguiriam, de outra forma, ter casa própria. No entanto, não é difícil encontrar gente disposta a burlar as regras.
A reportagem bateu na porta do apartamento 233 do bloco I do Planalto Canoense e fez uma pergunta simples:
– Está à venda?
– Sim – respondeu a dona de casa Elisandra Soares. – Basta assumir as prestações, de R$ 37 mensais. Faltam quatro anos para pagar, ainda, antes de poder quitar o financiamento da Caixa Econômica Federal – avisa ela.
A prática é ilegal: a Caixa só autoriza venda de imóveis quitados, nessa faixa do programa.
– Mas fica em nome de quem? É preciso um contrato de gaveta, então? – insiste o repórter.
Elisandra confirma:
– Sim, você nos passa um dinheiro. Depois recebe, todo mês, uma prestação em nosso nome, para saldar.
Ela não soube dizer quanto seria o valor desejado pela venda, mas aconselhou que falássemos com seu marido, Cristiano Ferreira. Metalúrgico, ele atende ao telefone, sem saber que falava com repórteres. Perguntamos sobre o apartamento à venda e quanto deseja:
– Uns R$ 60 mil... e que assumam as prestações que faltam – responde Cristiano.
– O apartamento vai ter de continuar no nosso nome. Só posso passar pro nome de vocês depois de 10 anos. Fazemos um contrato de gaveta. Dependendo da negociação, dá para baixar o preço. Já tenho para onde ir...
Imobiliárias trabalham com imóveis não quitados
Questionado se não daria problema vender imóvel do Minha Casa Minha Vida, ele diz:
– Olha, meu, tem gente vendendo... Até o ex-síndico vendeu.
O diretor de Habitação da Caixa, Teotônio Rezende, tem dito em entrevistas que a comercialização do imóvel do programa sem a respectiva quitação é nula e não tem valor legal. Quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem adquire irregularmente perderá o imóvel. Por que isso? Para priorizar quem necessita de moradia, não quem usa o imóvel para lucrar.
Localizado na Rua Zulmiro Gomes da Silva, número 100, bairro Olaria, o Planalto Canoense é composto por 12 prédios de cinco pavimentos. Eles têm 240 apartamentos financiados pelo Minha Casa Minha Vida – mas só 92 pagam condomínio. É que problemas construtivos, invasões e venda ilegal dos imóveis resultam em alto índice de inadimplência, tanto com as prestações do financiamento quanto com a administradora dos imóveis. A reportagem comprovou que também imobiliárias trabalham com imóveis não quitados do Minha Casa Minha Vida. A Conter Imóveis, de Canoas, oferecia no final de janeiro um apartamento de dois dormitórios no Planalto Canoense, por R$ 127,7 mil, mais de 10 vezes o que a Caixa costuma cobrar do mutuário. Contatada, a corretora Camila confirmou a oferta. Questionada se não há impedimento à venda de imóvel não-quitado nessa faixa do Minha Casa Minha Vida, ela sugeriu um truque ao comprador:
– Se não tiver quitado o imóvel, o dono vai dar quitação. Vamos supor que esteja financiado, essa pessoa, com o dinheiro que vai entrar no negócio, ela quita e vende. E você assume o financiamento.
A Caixa avisa que, para que não fique caracterizada irregularidade, antes de anunciar o imóvel à venda, o beneficiário deverá proceder a quitação do financiamento. Não foi o que ocorreu no caso da imobiliária de Canoas.
– Caso oferte o imóvel à venda ou para aluguel, antes da quitação da dívida, ou ainda se firmar “contrato de gaveta”, estará caracterizada a irregularidade. Neste caso, a Caixa pode pedir na Justiça a retomada do imóvel – alerta Rezende.
CONTRAPONTOS
O que diz Cristiano Ferreira, morador do condomínio Planalto Canoense:
Mas até o síndico vendeu...Eu sei que é proibido vender, mas ainda não vendi. Então não cometi o crime.
O que diz Francisco Conter, administrador da Conter Imóveis:
Sua informação é nova para nós, eu desconhecia que não pode anunciar imóvel do Minha Casa (faixa 1) não quitado. O imóvel já não deve mais aparecer em divulgação. Estamos verificando se foi anunciado em algum outro veículo de divulgação para também fazer a retirada.
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