CASA PRÓPRIA - SONHO PODE VIRAR PESADELO - ANA DEMOLINER E VIVIAN KRATZ|ESPECIAL PARA O PIONEIRO, 30/06/2011
O desejo de adquirir um imóvel pode esconder armadilhas. É melhor conhecer quais são para não cair nelas. Em Caxias do Sul, um empreendimento que ainda não saiu do papel está tirando o sono de pessoas que pagaram pela reserva de apartamento
Caxias do Sul– Contrariando a tendência de comportamento de consumo esperado em um cenário de alta de juros e de inflação, o mercado da construção civil segue aquecido na cidade em 2011. Segundo dados da Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU), cerca de 12 mil unidades habitacionais estão em construção. Facilidades de financiamento, como o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, impulsionam quem deseja adquirir a casa própria. Só este ano já foram financiadas 600 moradias pelo programa em Caxias.
Muitas vezes, porém, o ímpeto de mudar de vida esconde perigos que podem transformar o sonho em pesadelo. É preciso ter muita atenção antes de assinar qualquer documento. Em Caxias, a jornalista Angélica Maffi vive uma situação emblemática. Em janeiro de 2010, ela assinou um contrato de reserva de apartamento em um condomínio projetado na Rua França, no bairro Bela Vista. O Eco Village Towers tinha previsão de ser concluído em dezembro do ano que vem, sendo quatro torres de 15 andares cada. Para oficializar essa reserva, Angélica desembolsou R$ 5 mil. Segundo ela, a construtora prometeu que, no final do ano passado, ela começaria a pagar o financiamento pelo Minha Casa, Minha Vida na Caixa Econômica Federal. Porém, até agora, ela não tem visto nenhum progresso na obra, nem no financiamento.
A construtora alega que a demora é porque a prefeitura ainda não liberou a obra, o que Angélica não entende:
– Como puderam me vender algo que ainda não foi aprovado?
Nelson Carlos Sartori, diretor da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), confirma que o projeto passou pelas fases de Informação Urbanística e Carta de Alinhamento (processo inicial para a aprovação) e encontra-se no setor de Edificações com correções a serem feitas. Segundo o secretário municipal de Urbanismo, Francisco Spiandorello, essa é a última etapa do processo antes da aprovação ou não, que ainda não tem previsão para acontecer.
Receando ter perdido dinheiro e tempo, recentemente Angélica fez contato com a Caixa para saber sobre o financiamento e também foi surpreendida com a informação de que o projeto ainda não foi aprovado no Minha Casa, Minha Vida.
De acordo com Carlos Botti, consultor de marketing da Caixa, a construtora entrou pela primeira vez com o pedido de análise do projeto Eco Village Towers em julho de 2010, cinco meses após Angélica assinar o contrato de reserva. O projeto foi aprovado na fase inicial, que verifica o enquadramento no programa. Porém, agora é preciso analisar o empreendimento como um todo (implantação, custo, viabilidade) para então cadastrar o projeto efetivamente.
Enquanto isso, Angélica e outras pessoas que pagaram pela reserva dos apartamentos têm de driblar a ansiedade. O grupo criou até um blog na internet para discutir o problema e tentar encontrar soluções, o http://ecovillagetowers.blogspot.com.
– Está sendo uma experiência traumática – diz a contadora Ariédine Oliveira, que também assinou um contrato de reserva no início de 2010.
Depois de um ano sem perceber avanço na construção, ela procurou a construtora e desfez o negócio. A empresa assinou um termo se comprometendo a ressarcir os R$ 4 mil que Ariédine havia pago, mas até ontem ela não havia recebido nada. Na mesma situação está a assistente de recursos humanos Regiane Mazon do Valle, que também aguarda ser ressarcida.
– Muitos ainda não buscaram outro imóvel por medo de serem enganados. Não é só o valor pago, mas quando escolhemos um imóvel a gente faz planos e sonhos – reclama Regiane.
Contrato de reserva não é aconselhado
O problema reclamado por Angélica, Ariédine e Regiane, que assinaram contratos de reserva no mesmo empreendimento, é analisado por Ademir Antonio Izidoro, professor de Direito Civil da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e advogado especializado em direito imobiliário. Ele alerta que, na legislação, não há restrições para o contrato de reserva, que é feito de forma independente pelas empresas.
– Por isso, nunca é aconselhável pagar um valor alto somente para reservar – orienta Izidoro.
Ele sugere aos clientes que sentem-se lesados a procurar o Procon, o juizado de pequenas causas ou até mesmo um advogado e desfazer o negócio. Izidoro alerta que, pela sua experiência, há muita imprudência na hora de fechar um contrato. Na empolgação de realizar o sonho da casa própria, detalhes fundamentais acabam passando despercebidos.
– A compra de um imóvel costuma ser o maior negócio da vida das pessoas. Por isso, é fundamental que elas busquem, com calma, conhecer a empresa contratada e também procurem algum tipo de assessoria jurídica para analisar o empreendimento – sugere.
Em nota encaminhada ontem, a Mallmann & Tusset Engenharia e Incorporações Ltda., responsável pelo Eco Village Towers, diz que está havendo demora para liberação por parte da prefeitura pois a empresa seguiu todas as exigências de cada uma das secretarias incluindo Estudo de Impacto de Trânsito, projeto de drenagem pluvial e prolongamento da Rua do Salgueiro, com doação de área pela construtora para o município. “O projeto encontra-se na iminência de ser liberado e estimamos que na próxima semana estaremos com o projeto aprovado pela prefeitura.
Quanto ao reembolso de valores a desistentes do empreendimento, quase a totalidade dos valores que vêm sendo requeridos pelos pretendentes aos imóveis, e que desistiram da compra, sequer chegou à Mallmann e Tusset.
A empresa sofreu um desfalque próximo a R$ 800 mil por não ter recebido o repasse dos adiantamentos para reserva de unidades que foram entregues pelos pretensos compradores a intermediários das negociações.
A questão já foi inclusive levada ao Judiciário e, ante as provas incontestáveis do desfalque referido, já houve o afastamento, por ordem judicial, dos administradores da empresa intermediadora, e aguarda-se agora a decisão determinando a sua exclusão definitiva do quadro societário dessa empresa, a retomada do patrimônio por eles desviado, que não se resume aos valores referentes a esse empreendimento, e a reparação dos danos ocasionados.
A Mallmann e Tusset Engenharia e Incorporações Ltda. assumiu e assegurou a restituição àqueles que adiantaram valores a esses intermediários e que acabaram desistindo da compra, e está, através de ações judiciais, buscando a reparação dos prejuízos que sofreu com o desfalque sofrido. Com isso, no curso dos acontecimentos a Mallmann e Tusset buscou com seus investidores a recomposição do seu capital de giro e iniciará em breve as obras e o reembolso a todos aqueles que desistirem da compra.”
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