terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

VÍTIMAS DO CASO DAL AGNOL


ZERO HORA 25 de fevereiro de 2014 | N° 17715


JÚLIA OTERO | PASSO FUNDO


ADVOGADO FORAGIDO 

Como vítimas teriam sido lesadas. Polícia Federal acredita que parte dos 30 mil clientes de Maurício Dal Agnol nem saibam que caíram em suposta fraude


Um vendedor de cachorro-quente está há 16 anos com uma reforma em casa que não cabe no bolso. Um aposentado não conseguiu pagar tratamento particular para a mulher e a viu definhar no Sistema Único de Saúde (SUS) até a morte. Um empresário não acredita que caiu em golpe. Os três perfis diferentes exemplificam como são as 30 mil pessoas que teriam sido vítimas de um suposto esquema de um advogado de Passo Fundo que teria movimentado R$ 100 milhões.

As contas do empresário foram bloqueadas e a preocupação da polícia é que caso novos clientes que teriam sido enganados não apareçam, o dinheiro apreendido possa até retornar ao escritório.

O suposto esquema foi desarticulado na sexta-feira em uma operação da Polícia Federal no escritório de advocacia de Maurício Dal Agnol. Desde a década de 1990, ele se especializou em ações contra a antiga Companhia Riograndense de Telefonia (CRT). A suspeita da PF (que cumpriu mandado na luxuosa casa do suspeito, com direito a boate no seu interior) é de que ele repassaria apenas um valor irrisório aos clientes das ações ganhas. A motivação veio após várias denúncias contra o advogado em que os clientes, representados por novos defensores, argumentavam merecer mais do que haviam ganho.

Foi o caso de Edegar Teixeira de Almeida, 67 anos, morador da Vila Victor Issler, vendedor de cachorro-quente que recebeu R$ 18 mil, mas que deveria ter ganhado R$ 206 mil.

– Minha nora é recepcionista e foi trabalhar na festa de 15 anos da filha dele (Dal Agnol). Ganhou R$ 80 para ficar a noite lá, enquanto só de decoração foram gastos R$ 300 mil. Pensei: não dá meu dinheiro e ainda usa pra fazer festa? – desabafa Almeida.

Então ele entrou na Justiça e conseguiu ganhar outros R$ 46 mil.

– Poderia já ter terminado minha casa. Mas aqui estou, esperando o resto, fazendo aos poucos – diz, em meio à reforma que dura mais de 15 anos.

Ele conta que recebeu uma ligação do próprio Dal Agnol em 1997, falando que ele teria direito a receber dinheiro da antiga CRT.

“Não temos como investigar 60 mil ações”, diz delegado

Em 2005, o atual presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Estado, Edilson Luiz Deitos, também teria virado cliente e vítima:

– Ele (Dal Agnol) fazia contato com empresas de contabilidade que, na boa-fé, ofereceram o serviço e nós, na boa-fé, aceitamos. Chegava dinheiro de tempos em tempos, com prestação de contas e tudo, mas só fomos nos dar conta que era um valor incorreto quando fomos procurados por um advogado de fora – conta o empresário.

Já no caso de Carmelina Helena Comin, que deu origem ao nome da operação da PF, o dinheiro chegou tarde.

– Nos disseram: daqui uns oito anos chega o dinheiro. Passava lá duas vezes por ano, especialmente quando minha mulher adoeceu porque teria ajudado muito. Mas ele (Dal Agnol) sempre dizia: ainda não chegou – lembra-se o marido José Bianchin Gheno, 70 anos.

Na verdade, segundo a PF, enquanto Carmelina lutava contra um câncer, a ação foi ganha e o dinheiro teria sido recebido pelo advogado em 2010. A verba só chegou depois de Gheno contratar um advogado novo e receber R$ 124 mil em 2013, um ano após a morte da companheira.

O risco, agora, segundo o delegado Mário Vieira Soares de Morais, é que o montante bloqueado da conta de Dal Agnol retorne ao escritório.

– Não temos como investigar as 60 mil ações cíveis que o escritório dele já moveu – explica o delegado.

A PF orienta que se a pessoa suspeite ter sido vítima, o ideal é pedir que o processo seja desarquivado e revisto.


Do Fusca a um jato de US$ 12 milhões


O advogado Maurício Dal Agnol está nos Estados Unidos, onde passaria férias com a família.

Em função da denúncia, ele foi expulso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é procurado pela Interpol e pela Polícia Federal.

Só que antes da operação da PF, Dal Agnol era uma figura recorrente na coluna social.

A filha cavalgava em um animal avaliado em R$ 800 mil. Por isso, em 2009, abriu o Centro Hípico e Haras MD em uma área de 10 hectares. O local tem uma arena de shows com capacidade de 8 mil pessoas, onde já houve shows – gratuitos – de Jorge & Mateus e NX Zero.

Lá, há arquibancada com capacidade para 1,8 mil pessoas, um parque de diversões infantil gratuito e estacionamento para 150 automóveis.

Em 1996, quando saiu do Banco do Brasil e abriu seu próprio negócio, tinha um Fusca modelo 1978. Em 2013, declarou ter um avião a jato avaliado em US$ 12 milhões, além de carros de luxo.



CONTRAPONTO - André Luís Callegari, advogado de Vilson Bellé, informou que sobre o documento prefere não comentar porque não teve acesso. Disse que Bellé não trabalhava com Dal Agnol, apenas indicava clientes a ele.

COMO FUNCIONARIA

Advogado teria lesado clientes em ação contra telefônica

1. O escritório de advocacia captaria clientes que tinham ações da antiga CRT. Na maioria das vezes, não seria Dal Agnol quem faria a captação de clientes, mas outros empregados espalhados pelo Estado, principalmente próximo a Passo Fundo e Bento Gonçalves. Ele tinha escritório em várias partes do Estado: Passo Fundo, Porto Alegre, Pelotas e Novo Hamburgo.

2. Segundo a PF, todos os clientes passariam uma procuração ao advogado Mauricio Dal Agnol. Ele centralizaria as informações.

3. O escritório moveria dois tipos de ações: coletiva e individual, mas os clientes não sabiam que seriam movidas duas ações. A individual buscaria rever os valores das ações da antiga CRT da telefonia móvel, enquanto a coletivo estaria se propondo a recuperar valores de linha fixa.

4. No final dos processos, em vez de repassar 80% do valor ao cliente e ficar com 20%, essa porcentagem seria invertida, ficando o cliente com menos do que deveria por lei. Em cima dos 20% repassados, também seriam cobrados honorários. Durante a operação, um documento apreendido junto a processos resumiria a fraude: Obs. O cliente já recebeu dois processos do escritório e está satisfeito. Não é necessário efetuar o pagamento do processo. O valor do processo deverá ser rateado entre o Sr. Bellé e o Dr. Maurício.

5. Para que tudo ficasse dentro da legalidade, a Polícia Federal suspeita de que dois contratos eram assinados como se fossem apenas um, sendo um deles de honorários e outro de cessão de direitos, que seria similar à segunda via do primeiro. Este segundo faria com que o cliente estivesse concordando com o valor repassado. Para convencer o cliente do valor, documentos (alvará ou petição) seriam adulterados e repassados valores menores. Às vezes, ainda repassaria apenas a correção monetária da ação. As vítimas geralmente eram pessoas humildes que acreditavam na palavra do advogado e se estavam recebendo R$ 15 mil estavam contentes e assinavam o que quer que fosse, conta o delegado Mario Vieira.

6. Como o advogado ficava com a procuração, poderia pegar o dinheiro em nome do cliente. Depois de pegar o dinheiro, dizia aos clientes que a ação ainda não teria andado. E como poderia fazer o acordo sem a presença do cliente, muitas vezes foi feito um acordo que levantaria suspeitas: depois de julgado, haveria um acerto entre a Brasil Telecom (antiga CRT) e Dal Agnol de receber apenas metade do que foi ganho. A PF ainda investiga essa relação.

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