domingo, 23 de março de 2014

OS HOMENS DO CAMARO AMARELO

ZERO HORA 23 de março de 2014 | N° 17741

ARTIGOS


por Moisés Mendes*



Havia um Camaro amarelo na garagem de um dos suspeitos de integrar a quadrilha liderada por um doleiro, desmontada na semana passada pela Polícia Federal. Um Camaro amarelo tem efeito devastador. Alguém flagrado com dólares em casa e um correntão no pescoço escapa fácil da cadeia e de vexames.

Se tiver um Camaro amarelo, também escapa, mas sua reputação se complica. O Camaro amarelo rebaixa o status de honestos e de delinquentes. É o carro mais depreciado pela adoração dos novos endinheirados. Por que alguém que desvia milhões de dólares, circula entre poderosos e engana a polícia durante anos não se livra da tentação de ter um Camaro amarelo?

O dono de um carro assim é denunciado por falha na ostentação. A Polícia Federal localizou sete máquinas potentes nas garagens dos suspeitos: quatro BMW dos mais variados modelos, duas Mercedes e o Camaro. Em todas as fotos divulgadas por ZH sobre o caso, o que mais aparece é o Camaro.

O velho Camaro da Chevrolet, dos anos 70, que a Ford tentou imitar depois com o Maverick, começou a ser desmoralizado pela própria Chevrolet. Um pouco de história. Os carros que Henry Ford produzia no início do século 20 eram pretos. Ford determinou que a cor dos carros deveria ser esta, apenas esta.

Surge a GM, e o gênio Alfred Sloan desafia a sabedoria de Ford: os carros deveriam ser coloridos. Foi a GM de Sloan que coloriu os carros. Até que um dia, nos anos 70, alguém decidiu pintar o Camaro de amarelo. Aí, passaram dos limites.

Um Camaro amarelo é assustador, não é como uma Brasília amarela. Uma Brasília, com ou sem roda gaúcha, circulava por aí com o charme conferido pelos Mamonas. Já os tripulantes de um Camaro passaram a ser os ostentadores da breguice.

Você, que tem um Camaro de outra cor, certamente sofre discriminações por causa da fama dos donos de Camaros dourados. Veja o exemplo de Jurerê, que era até bem pouco a mais charmosa praia da ilha de Florianópolis. Jurerê foi sendo tomada por Camaros, correntões, mulheres de salto 11 e som na caixa.

Os moradores de Jurerê reagiram. Aguentam a gritaria dos quase famosos da TV que invadiram a praia, suportam a apavorante arquitetura da nova vizinhança tipo Miami Beach, as cantorias do Luan Santana e o desfile de fortões de sunga branca. Mas não há como aguentar o enxame de Camaros amarelos e seus significados.

Há um embate na Justiça dos moradores com os responsáveis pelos estragos da invasão dos tais beach clubs em Jurerê. São cinco beach clubs. Os frequentadores desembarcam dos Camaros e amanhecem bebendo champanhe doce, dançando e cantando. Fiquei sabendo no veraneio que a praia é uma permanente festa rave do sertanejo universitário.

Jurerê era silenciosa, com suas belas casas baixas. Virou “internacional” e chegaram os Camaros e os beach clubs. Foram erguidas as Casas Brancas, que podem ser azuis, roxas, amarelas, rosas. São habitações que imitam mesmo a Casa Branca do Obama, com o triângulo do Partenon ao alto da porta.

A arquitetura do novo rico deformou Jurerê. Na frente das casas, os carrões da Chevrolet e seus semelhantes. Moradores nativos e antigos, sabiás, caturritas, andorinhas abandonam o norte da ilha e migram para o sul, para o Campeche, para fugir dos donos dos Camaros e de seus acompanhantes.

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Carros-totens denunciam os donos e suas patologias. Eike Batista tinha uma Mercedes Mclaren de R$ 3 milhões na sala da mansão em Botafogo. O que faz um homem ostentar um carro, em fotografias que se repetiam em jornais e revistas, dentro da sala? Que adoração transforma um automóvel num ente da família?

Eike quebrou e passou a leiloar seus bens. Tentou vender um iate, computadores, mesas, utensílios de escritórios. Não se sabe se ficou com a Mercedes. Homens apaixonados por carros vendem aviões, casas, pulseiras e panelas, mas não conseguem se desfazer dos automóveis.

É uma paixão potencializada pela transformação do carro no símbolo da prosperidade brasileira (este é um país tão próspero, que os supermercados conseguem vender ovos de chocolate de 250 gramas por R$ 48!!! Inventamos o ovo-camaro).

Nunca antes comemos tanto ovo de chocolate e circulamos tanto de Camaro amarelo no Brasil. E dizer que já fomos o país do Fiat 147 e do Chevette.

*Jornalista A fuzarca chega de Camaro a Jurerê e empurra os moradores do norte para o sul da ilha

Um comentário:

  1. "...velho Camaro da Chevrolet, dos anos 70, que a Ford tentou imitar depois com o Maverick". Sério mesmo, onde foi que você viu isso? O Chevy Camaro não é da década de 70 e sim dos anos 60 (1967 pra ser mais exato) e outra, ele é o principal concorrente do Ford Mustang (que é um modelo de 1964, logo, foi a GM quem tentou rivalizar com a Ford já que seu modelo é posterior). O Ford Maverick nem entra nessa briga pois ele pertence a outra categoria (uma espécie de Mustang mais pobre). Ótimo post mas falho nas fontes.

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