ZERO HORA 07 de setembro de 2013 | N° 17546
CAIO CIGANA
LEITE ADULTERADO. Crise atrapalha investigações
Conflito entre o Ministério Público Estadual e o Ministério da Agricultura afeta a apuração de denúncias de irregularidades e a fiscalização da qualidade do leite no Estado
Quatro meses após a fraude do leite vir a público, a fiscalização da qualidade do produto e as investigações sobre a adulteração passam por um período crítico devido a uma crise entre integrantes do Ministério Público Estadual (MPE) e o superintendente federal do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor.
Com a desavença, foi truncado o fluxo de informações como denúncias de irregularidades e resultados de análises laboratoriais que municiavam as ações dos promotores responsáveis pelo caso.
O desentendimento teve início com a deflagração da segunda fase da Operação Leite Compen$ado, em 22 de maio, e cresceu com a demora para a renovação de um convênio de cooperação técnica entre as duas instituições.
Sem o instrumento, alega o MPE, os fiscais agropecuários não podem prestar apoio a operações nem comunicar denúncias úteis nas apurações dos crimes. A parceria teria de ser renovada e uma nova assinatura seria realizada em julho, mas acabou postergada.
Conforme Signor, há a necessidade de antes passar pela análise da área jurídica do Ministério da Agricultura, em Brasília.
Segundo o promotor Alcindo Bastos Filho, da Promotoria de Defesa do Consumidor da Capital, a demora prejudica o trabalho de investigação. Mais incisivo é o colega Mauro Rockenbach, da Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre, que credita o atraso a uma postura pessoal de Signor.
Troca de acusações
Para Rockenbach, a falta do convênio trunca o fluxo de informações e faz denúncias de práticas criminosas levadas ao Ministério da Agricultura não serem repassadas ao MPE para serem investigadas. Segundo Rockenbach, a contrariedade de Signor começou por não ter sido avisado com antecedência da prisão do transportador Antenor Signor, parente distante do superintendente e que disse sequer conhecê-lo pessoalmente.
– É obra pessoal do superintendente a descontinuidade da parceria. Por esta questão pessoal dele. Acha que tem de saber de tudo e tudo tem de passar por ele. Mas só vai saber quem deve saber – afirma Rockenbach.
Signor nega que a demora tenha caráter pessoal e assegura que a acusação “é uma injustiça, uma leviandade”.
– Ele (Rockenbach) está fazendo uma análise unilateral. E é mais um motivo para termos cautela. Mas eu não misturo as coisas – rebate Signor.
Apesar da troca de acusações, Signor afirma que o termo será assinado, mas com a divisão clara das responsabilidade de cada parte. Um dos pontos que incomoda é a divulgação das informações, como o caso recente da detecção de álcool etílico em um carregamento de leite que chegou à BRF em Teutônia, episódio tornado público pelo MPE. Signor também admite ter ficado contrariado por não ter sido avisado sobre a segunda fase da Leite Compen$ado.
– Acompanhei a primeira fase com todo o apoio. Mas na segunda etapa, o pessoal do ministério (da Agricultura) resolveu me dar uma rasteira. Fizeram a operação junto com o MPE sem me comunicar. Quando a gente não respeita a hierarquia é o princípio do caos – sustenta o superintendente.
Em busca do produto rejeitado
Depois de centrar as averiguações nos transportadores, que seriam os responsáveis pela adição de água e ureia com formol ao leite, o Ministério Público Estadual (MPE) abriu uma nova frente de investigações. A intenção agora é descobrir qual é o destino que vem sendo dado ao leite que chega aos laticínios e acaba rejeitado devido à detecção de problemas.
Por outro lado, a promotoria de defesa do consumidor deve ajuizar na próxima semana ação coletiva de consumo contra a VRS Indústria de Laticínios Ltda, de Estrela, fabricante da marca Latvida (acima). A intenção é forçar a empresa a adotar medidas adicionais de controle e pagar indenização.
O objetivo é semelhante aos termos de ajustamento de conduta já assinados com BRF, LBR e Goiasminas. A unidade da VRS em Estrela foi novamente interditada dia 23 de agosto pela Secretaria da Agricultura do Estado após fiscais encontrarem irregularidades como reutilização de leite vencido. A planta já havia sofrido a mesma medida em maio.
Laboratório vira foco do conflito
Um novo capítulo do conflito entre o Ministério Público Estadual (MPE) e o superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, foi aberto ontem. Segundo o promotor Alcindo Bastos Filho, da Promotoria de Defesa do Consumidor da Capital, o laboratório da Univates, de Lajeado, responsável por fazer parte das análises de amostras de leite, foi proibido por Signor de repassar os resultados diretamente ao MPE.
O colega da Promotoria Especializada Criminal, Mauro Rockenbach, acrescenta.
– É uma conduta inconsequente do superintendente. Nos retira a possibilidade de uma ação imediata e é prejuízo à sociedade – afirma Rockenbach, referindo-se à possibilidade de prisões que poderiam ser feitas caso o MPE recebesse com rapidez os resultados.
Signor, novamente, nega que tenha proibido o laboratório de informar diretamente o Ministério Público:
– Não proibi nada. Apenas disse que eles assumam as responsabilidades pelas informações que passam.
Signor diz querer saber quem passou a informação de que o leite entregue na unidade da BRF em Teutônia em que foi detectada a presença de álcool etílico teria sido industrializado e colocado no mercado:
– É uma informação equivocada e a empresa está me cobrando. Oficiei o MPE sobre isso no último dia 4, eles até agora não me responderam.
Fiscalização esbarra na falta de recursos
O limite de recursos no Ministério da Agricultura tem afetado o trabalho de fiscalização da qualidade do leite no Estado. Por falta de verba para despesas como combustível e diárias, denúncias de adulteração de leite acabam não sendo verificadas.
ZH teve acesso a dois casos levados ao ministério que deixaram de ser conferidos. No primeiro, de 31 de julho, chegou a informação de que um posto de resfriamento de Frederico Westphalen teria recebido leite adulterado levado por um transportador. O produto teria como destino a BRF em Teutônia. Embora não exista ligação comprovada, cinco dias depois chegou no local uma carga de leite na qual, posteriormente, foi comprovada a presença de álcool etílico. No segundo caso, dia 18 de agosto, um produtor de Tiradentes do Sul foi denunciado e afastado como fornecedor de um laticínio por entregar carregamento que também conteria álcool etílico.
A falta de recursos é atribuída aos cortes do orçamento da União, que tiraram R$ 120 milhões do ministério. Em agosto, os recursos secaram. A situação compromete o andamento da Operação Leite Compen$ado, afirma João Becker, delegado sindical do Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários.
O superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, no entanto, nega que o problema cause afrouxamento da fiscalização.
CAIO CIGANA
LEITE ADULTERADO. Crise atrapalha investigações
Conflito entre o Ministério Público Estadual e o Ministério da Agricultura afeta a apuração de denúncias de irregularidades e a fiscalização da qualidade do leite no Estado
Quatro meses após a fraude do leite vir a público, a fiscalização da qualidade do produto e as investigações sobre a adulteração passam por um período crítico devido a uma crise entre integrantes do Ministério Público Estadual (MPE) e o superintendente federal do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor.
Com a desavença, foi truncado o fluxo de informações como denúncias de irregularidades e resultados de análises laboratoriais que municiavam as ações dos promotores responsáveis pelo caso.
O desentendimento teve início com a deflagração da segunda fase da Operação Leite Compen$ado, em 22 de maio, e cresceu com a demora para a renovação de um convênio de cooperação técnica entre as duas instituições.
Sem o instrumento, alega o MPE, os fiscais agropecuários não podem prestar apoio a operações nem comunicar denúncias úteis nas apurações dos crimes. A parceria teria de ser renovada e uma nova assinatura seria realizada em julho, mas acabou postergada.
Conforme Signor, há a necessidade de antes passar pela análise da área jurídica do Ministério da Agricultura, em Brasília.
Segundo o promotor Alcindo Bastos Filho, da Promotoria de Defesa do Consumidor da Capital, a demora prejudica o trabalho de investigação. Mais incisivo é o colega Mauro Rockenbach, da Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre, que credita o atraso a uma postura pessoal de Signor.
Troca de acusações
Para Rockenbach, a falta do convênio trunca o fluxo de informações e faz denúncias de práticas criminosas levadas ao Ministério da Agricultura não serem repassadas ao MPE para serem investigadas. Segundo Rockenbach, a contrariedade de Signor começou por não ter sido avisado com antecedência da prisão do transportador Antenor Signor, parente distante do superintendente e que disse sequer conhecê-lo pessoalmente.
– É obra pessoal do superintendente a descontinuidade da parceria. Por esta questão pessoal dele. Acha que tem de saber de tudo e tudo tem de passar por ele. Mas só vai saber quem deve saber – afirma Rockenbach.
Signor nega que a demora tenha caráter pessoal e assegura que a acusação “é uma injustiça, uma leviandade”.
– Ele (Rockenbach) está fazendo uma análise unilateral. E é mais um motivo para termos cautela. Mas eu não misturo as coisas – rebate Signor.
Apesar da troca de acusações, Signor afirma que o termo será assinado, mas com a divisão clara das responsabilidade de cada parte. Um dos pontos que incomoda é a divulgação das informações, como o caso recente da detecção de álcool etílico em um carregamento de leite que chegou à BRF em Teutônia, episódio tornado público pelo MPE. Signor também admite ter ficado contrariado por não ter sido avisado sobre a segunda fase da Leite Compen$ado.
– Acompanhei a primeira fase com todo o apoio. Mas na segunda etapa, o pessoal do ministério (da Agricultura) resolveu me dar uma rasteira. Fizeram a operação junto com o MPE sem me comunicar. Quando a gente não respeita a hierarquia é o princípio do caos – sustenta o superintendente.
Em busca do produto rejeitado
Depois de centrar as averiguações nos transportadores, que seriam os responsáveis pela adição de água e ureia com formol ao leite, o Ministério Público Estadual (MPE) abriu uma nova frente de investigações. A intenção agora é descobrir qual é o destino que vem sendo dado ao leite que chega aos laticínios e acaba rejeitado devido à detecção de problemas.
Por outro lado, a promotoria de defesa do consumidor deve ajuizar na próxima semana ação coletiva de consumo contra a VRS Indústria de Laticínios Ltda, de Estrela, fabricante da marca Latvida (acima). A intenção é forçar a empresa a adotar medidas adicionais de controle e pagar indenização.
O objetivo é semelhante aos termos de ajustamento de conduta já assinados com BRF, LBR e Goiasminas. A unidade da VRS em Estrela foi novamente interditada dia 23 de agosto pela Secretaria da Agricultura do Estado após fiscais encontrarem irregularidades como reutilização de leite vencido. A planta já havia sofrido a mesma medida em maio.
Laboratório vira foco do conflito
Um novo capítulo do conflito entre o Ministério Público Estadual (MPE) e o superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, foi aberto ontem. Segundo o promotor Alcindo Bastos Filho, da Promotoria de Defesa do Consumidor da Capital, o laboratório da Univates, de Lajeado, responsável por fazer parte das análises de amostras de leite, foi proibido por Signor de repassar os resultados diretamente ao MPE.
O colega da Promotoria Especializada Criminal, Mauro Rockenbach, acrescenta.
– É uma conduta inconsequente do superintendente. Nos retira a possibilidade de uma ação imediata e é prejuízo à sociedade – afirma Rockenbach, referindo-se à possibilidade de prisões que poderiam ser feitas caso o MPE recebesse com rapidez os resultados.
Signor, novamente, nega que tenha proibido o laboratório de informar diretamente o Ministério Público:
– Não proibi nada. Apenas disse que eles assumam as responsabilidades pelas informações que passam.
Signor diz querer saber quem passou a informação de que o leite entregue na unidade da BRF em Teutônia em que foi detectada a presença de álcool etílico teria sido industrializado e colocado no mercado:
– É uma informação equivocada e a empresa está me cobrando. Oficiei o MPE sobre isso no último dia 4, eles até agora não me responderam.
Fiscalização esbarra na falta de recursos
O limite de recursos no Ministério da Agricultura tem afetado o trabalho de fiscalização da qualidade do leite no Estado. Por falta de verba para despesas como combustível e diárias, denúncias de adulteração de leite acabam não sendo verificadas.
ZH teve acesso a dois casos levados ao ministério que deixaram de ser conferidos. No primeiro, de 31 de julho, chegou a informação de que um posto de resfriamento de Frederico Westphalen teria recebido leite adulterado levado por um transportador. O produto teria como destino a BRF em Teutônia. Embora não exista ligação comprovada, cinco dias depois chegou no local uma carga de leite na qual, posteriormente, foi comprovada a presença de álcool etílico. No segundo caso, dia 18 de agosto, um produtor de Tiradentes do Sul foi denunciado e afastado como fornecedor de um laticínio por entregar carregamento que também conteria álcool etílico.
A falta de recursos é atribuída aos cortes do orçamento da União, que tiraram R$ 120 milhões do ministério. Em agosto, os recursos secaram. A situação compromete o andamento da Operação Leite Compen$ado, afirma João Becker, delegado sindical do Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários.
O superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor, no entanto, nega que o problema cause afrouxamento da fiscalização.
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